FARM é pressionada a se afastar da Starbucks por denúncias de trabalho escravo

Marca brasileira de moda é cobrada por manter aliança com multinacional acusada de violações trabalhistas nas cadeias de suprimento de café no Brasil e em outros países
Por Tamyres Matos
 06/06/2025

A FARM está sendo pressionada por entidades sindicais e organizações da sociedade civil a romper sua parceria com a multinacional Starbucks, diante de denúncias de violações trabalhistas e ambientais. Em carta endereçada ao CEO da FARM, Fábio Barreto, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) e outras organizações acusam a rede de cafeterias de estar ligada a casos de trabalho escravo e infantil em fazendas brasileiras de café, além de práticas antissindicais nos Estados Unidos.

A reação se dá em meio ao lançamento de uma coleção colaborativa entre as duas marcas, divulgada pela Farm como uma celebração da “alegria e diversidade” do Brasil. A parceria, porém, tem gerado questionamentos públicos sobre a coerência entre os valores de sustentabilidade e justiça social defendidos pela empresa de moda e o histórico da Starbucks.

Anúncio do visual da campanha que marca a parceria entre a FARM Rio e a Starbucks (Foto: Divulgação / Starbucks)
Anúncio do visual da campanha que marca a parceria entre a FARM Rio e a Starbucks (Foto: Divulgação / Starbucks)

A campanha #RompaComAStarbucks, liderada pela Coffee Watch, ONG que monitora e denuncia más práticas no setor cafeeiro mundialmente, exige o fim imediato da parceria, classificada como “lavagem de imagem” de uma empresa envolvida em exploração.

“A Starbucks lucra com a opressão. Enquanto vende café a preços , trabalhadores brasileiros colhem os grãos sem direitos básicos, como água potável ou banheiros”, afirma Etelle Higonnet, fundadora da Coffee Watch.

Procurada pela reportagem, a FARM não se manifestou. O espaço segue aberto para o posicionamento da empresa.

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Café com denúncia

A pressão sobre a Starbucks aumentou após a Coffee Watch apresentar, no fim de abril, uma denúncia formal à Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP), pedindo o bloqueio das importações de café brasileiro pelas multinacionais Starbucks, Nestlé, JDE, Dunkin’, Illy e McDonald’s. A petição se baseia na Seção 307 do Ato Tarifário de 1930, que proíbe a entrada de produtos fabricados com trabalho escravo nos Estados Unidos.

De acordo com a denúncia, pelo menos quatro resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão foram registrados entre 2023 e 2024 em fazendas de Minas Gerais ligadas à Cooxupé, uma das principais fornecedoras da Starbucks no Brasil. Em uma das ações, seis trabalhadores – incluindo um adolescente de 16 anos – foram resgatados de propriedades com condições degradantes. O produtor responsável, Marcos Florio de Souza, foi incluído na última atualização da chamada “Lista Suja” do trabalho escravo do Ministério do Trabalho.

Denúncia à Alfândega dos EUA tem como base a Lei Tarifária de 1930, lei federal americana que proíbe a importação de produtos feitos com trabalho escravo (Foto: Lela Beltrão/Repórter Brasil)
Denúncia à Alfândega dos EUA tem como base a Lei Tarifária de 1930, lei federal americana que proíbe a importação de produtos feitos com trabalho escravo (Foto: Lela Beltrão/Repórter Brasil)

Segundo a Coffee Watch, “essas empresas mantêm conscientemente um sistema de trabalho forçado, tráfico de pessoas e trabalho infantil forçado, do qual continuarão se beneficiando até que sejam forçadas a interrompê-lo”.

A organização também cita investigações jornalísticas e relatórios de entidades como Repórter Brasil, Oxfam, Danwatch e Conectas, que documentam um padrão sistêmico de violações trabalhistas em cadeias produtivas do café no Brasil e no exterior.

Ação judicial nos EUA

No mesmo dia da denúncia à alfândega, a ONG International Rights Advocates ajuizou uma ação contra a Starbucks no Tribunal de Columbia, na Carolina do Norte. A entidade representa oito trabalhadores resgatados nas fazendas mineiras, e alega que eles foram traficados e submetidos a trabalho forçado, exigindo indenizações da multinacional.

Em nota, a Starbucks afirmou que “as alegações apresentadas não têm mérito” e que compraria café apenas de uma “pequena fração” das fazendas ligadas à Cooxupé, todas supostamente certificadas pelo programa C.A.F.E. Practices. A Nestlé e a JDE também responderam que investigam alegações e mantêm compromissos com direitos humanos. Dunkin’, Illy, McDonald’s e Cooxupé não se pronunciaram até a publicação desta reportagem.

Contradições éticas

Criada em 1997 no Rio de Janeiro, a FARM construiu sua imagem como marca engajada com pautas ambientais e sociais, com campanhas de reflorestamento e promoção da diversidade cultural. Em 2019, a empresa ou a integrar o grupo norte-americano Anthropologie e tem expandido sua presença internacional, incluindo nos Estados Unidos.

A carta da UGT critica a incoerência entre o discurso da FARM e a aliança com a Starbucks, acusada de ser “uma das maiores violadoras das leis trabalhistas na história moderna dos EUA”, por reprimir trabalhadores sindicalizados em suas lojas. A entidade sindical pede que a empresa rompa imediatamente a parceria ou condicione sua continuidade a uma série de exigências, como o respeito aos direitos sindicais, erradicação do trabalho escravo e infantil, e pagamento justo a trabalhadores rurais e pequenos produtores.

“Ao estabelecer parceria com a Starbucks, a FARM está, direta ou indiretamente, legitimando práticas que violam os direitos humanos e trabalhistas”, diz trecho da carta.

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